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RAZÕES DA TRAGÉDIA NO RIO GRANDE DO SUL

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INUNDAÇÕES NO RIO GRANDE DO SUL

A tragédia no Rio Grande do Sul não pode ser explicada ou analisada de forma simplista. As razões são diversas, mas podemos apontar cinco causas principais: atmosféricas, econômicas, políticas, hidrográficas e topográficas.

Políticas Ambientais

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), alterou em torno de 480 normas do Código Ambiental do estado em seu primeiro ano de mandato, em 2019. A medida, sancionada em 2020, acompanhou o afrouxamento da política ambiental brasileira incentivada, à época, pelo então ministro Ricardo Salles, do MMA (Ministério de Meio Ambiente), no governo Bolsonaro.

Agora, em meio às enchentes no estado, ambientalistas criticam a gestão de Eduardo Leite e apontam o governador como o articulador, junto à Assembleia Legislativa, do que chamam de desmonte das leis estaduais de proteção ambiental.

O diretor científico e técnico da Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), Francisco Milanez, critica também a sanção do governador, neste ano, de lei que flexibiliza a construção de barragens e outros reservatórios de água dentro de áreas de proteção permanente. De acordo com o ambientalista, essa medida é preocupante por poder afetar o fluxo natural da água, o que pode gerar cheias de rios e chuvas mais concentradas.

Para Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de mais de cem organizações socioambientais, o desmonte vai além do governo estadual e da Assembleia Legislativa. Ele enfatiza a participação do Congresso Nacional no afrouxamento de políticas ambientais, com a contribuição de deputados federais e senadores eleitos pelo Rio Grande do Sul.

Astrini avalia que o Brasil vive duas ondas de prejuízos, uma delas na questão climática e a outra na mudança de legislação, que flexibiliza regras de proteção ambiental. Ele cita a liberação de construções em áreas que alagam e a eliminação de vegetação que poderia drenar a água e tornar o solo mais compacto.

Astrini dá como exemplo o projeto de lei 3.729/2004, aprovado em 2021 na Câmara dos Deputados, que flexibiliza normas e dispensa diversas atividades da obtenção do licenciamento ambiental, considerado um retrocesso por entidades ambientalistas. A proposta teve votação favorável de 22 parlamentares do Rio Grande do Sul, filiados aos partidos PL, PP, PDT, PSDB, MDB, Republicanos, Novo, Podemos e PSD.

Questões Atmosféricas

O Rio Grande do Sul está enfrentando uma situação inusitada de temporais e chuvas intensas, segundo explicou o analista de clima e meio ambiente da CNN, Pedro Cortês. O estado está sendo “atacado” por frentes frias vindas do sul do continente, mas que não conseguem progredir devido a uma zona de alta pressão no centro do Brasil, funcionando como uma “muralha”.

Essa mesma zona de alta pressão desvia a umidade do Oceano Atlântico para o Rio Grande do Sul pelo leste e pela Amazônia, entrando pelo oeste. Assim, o estado recebe umidade de todas as direções, enquanto a frente fria atual não consegue escapar.

Assim como os rios do Delta do Jacuí, o Oceano Atlântico também está sendo afetado pelas fortes chuvas e tempestades de ventos que atingem o Rio Grande do Sul, o que dificulta o escoamento da água.

Os ventos fortes formam marés de tempestade. Isso faz o mar ‘crescer’, subindo o nível em até 2 metros a depender da configuração da praia. No caso do que acontece aqui no Rio Grande do Sul, o mar fica mais alto do que o nível de escoamento da Lagoa dos Patos, impedindo que o excesso de água seja despejado no mar.

“É o que eu chamaria de tempestade perfeita, porque o Rio Grande do Sul está sendo afetado pelas frentes frias que vêm do sul do continente, mas essas frentes elas não conseguem progredir por conta de uma zona de alta pressão no centro do Brasil”, afirmou Cortês.

Questões Econômicas

O desmatamento de vegetação nativa para fins imobiliários também é considerado fator que dificulta o escoamento de água da chuva.

Outro ponto em discussão é se o investimento em determinadas atividades agrícolas, com consequentes alterações da vegetação nativa, ajudaram a fragilizar os solos e o processo de escoamento da água. Para o geólogo Rualdo Menegat, esse foi um dos elementos que aumentou o impacto das chuvas no estado.

Questões Hidrográficas e Topográficas

Entende-se que região hidrográfica é a área de superfície de terra e/ou de mar composta por uma ou mais bacias hidrográficas próximas e/ou pelas águas subterrâneas e/ou costeiras que lhes estão integradas. Já bacia hidrográfica é uma área de drenagem d’água de precipitação pluviométrica para um determinado curso de escoamento (geralmente um rio) que vai para um determinado ponto, o qual se parte uma delimitação divisória associada as maiores cotas altimétricas.

O território do Rio Grande do Sul é dividido em três grandes bacias hidrográficas: a do Rio Uruguai, que está inserida na bacia hidrográfica nacional do rio Uruguai, e a do Guaíba e a Litorânea, que estão inseridas na bacia hidrográfica nacional do Atlântico – Trecho Sudeste.

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A bacia hidrográfica do Guaíba abrange 251 municípios, abrangendo a capital Porto Alegre. Os principais rios da bacia do Guaíba são: Gravataí, Sinos, Caí, Taquari, Antas, Jacaí, Vacacaí e Pardo. Já a bacia hidrográfica litorânea e é formada por um conjunto de bacias cujas águas correm diretamente para o Oceano Atlântico. Os principais rios da bacia hidrográfica litorânea são: Tramandaí, Camaquã, Mirim, São Gonçalo e Mampituba.

A bacia hidrográfica do Guaíba e o relevo de Porto Alegre contribuem para um grande desafio: a demora no escoamento de água.

Conforme vemos em um relatório publicado pela própria prefeitura de Porto Alegre, a posição geográfica da capital é uma aliada às enchentes e alagamentos. A cidade é formada por morros e áreas planas e baixas, com 27 arroios e seus braços, cercada pelo Rio Gravataí, Lago Guaíba e, ao sul, pela Lagoa dos Patos.

As regiões baixas possuem aproximadamente 35% da área urbanizada três metros acima do nível do mar, praticamente no mesmo nível médio das águas dos rios. Boa parte destas áreas estão na Zona Norte da cidade.

A topografia das áreas ao redor da região metropolitana de Porto Alegre é caracterizada por uma mistura de planícies, planaltos e áreas montanhosas. As planícies tendem a acumular água mais facilmente, especialmente em períodos de chuva intensa, devido à sua natureza plana e à presença de rios e córregos que podem transbordar.

Além disso, áreas mais baixas podem se tornar propensas a alagamentos, pois a água tende a se acumular em terrenos mais planos.

A bacia hidrográfica do Guaíba é o escoadouro das águas de uma região que abrange 30% de toda área geográfica do Estado. Em um estreito de apenas 900 metros, entre a Usina do Gasômetro e a Ilha da Pintada, ficam os rios Jacuí, Gravataí, Sinos e Caí.

“Por coincidência, o ponto de maior represamento das águas coincide com a maior densificação urbana, o próprio centro da capital. O conjunto destes fatores ajuda a explicar as grandes enchentes que fazem parte da história do Lago Guaíba e de Porto Alegre”, diz a Prefeitura, no relatório.

Então a confluência desses rios tem implicações importantes para o escoamento da água na região, especialmente durante períodos de chuvas intensas.

Quando há uma grande quantidade de precipitação, os rios que deságuam no Lago Guaíba podem transportar volumes elevados de água, o que sobrecarrega o sistema de drenagem natural e as estruturas de controle de enchentes.

Depois de um histórico de enchentes no século 20, a cidade de Porto Alegre desenvolveu uma série de recursos estruturais para impedir enchentes. Nesse ponto, não há divergências: ficou claro que o sistema de contenção de águas apresentou falhas agora.